O pacto social de coexistência lingüística no Reino de Espanha – elaborado entre o sórdido «ruido de sabres» da Transiçom e sancionado pola Constituiçom de 1978– está hoje morto e sepultado. Os grandes beneficiários dos privilégios outorgados ao castelhano querem ainda mais. Proclamam sem complexos o liberalismo lingüístico («¡Sí, sí, sí, queremos elegir!», berravam o 8-F em Compostela) e pedem abertamente o desmantelamento da leve protecçom jurídica outorgada à língua galega nos últimos anos, nomeadamente na época do bipartido, mas também durante o fraguismo. Frente a eles, a alternativa moderada contenta-se com apelar ao «pluralismo lingüístico» e lamentar-se polo «consenso perdido», enquanto se reactiva felizmente um activismo lingüístico que levava tempo em estado letárgico.
Os ataques contra a normalizaçom lingüística constituem, com certeza, um clássico do espanholismo. Mas, ao contrário do que muitos nacionalistas queriam pensar, nom procedem de sectores «ultraminoritários» ou «voluntaristas». O argumentário da associaçom Galicia Bilingüe coincide, ponto por ponto, com o Manifiesto por una lengua común, lançado em junho de 2008 por um grupo de académicos espanhois ligados a poderosos grupos mediáticos e económicos. «Los ciudadanos son quienes tienen derechos lingüísticos y no los territorios ni mucho menos las lenguas», dizia o filósofo Fernando Savater na apresentaçom do manifesto, que nom demorou em ser assinado por personagens públicas galegas, como o ciclista Óscar Pereiro, a cantora Luz Casal ou os modistas Roberto Verino, Antonio Pernas e Purificación García.
Nom nos enganemos: a retórica de Galicia Bilingüe é hábil. Na sua declaraçom de princípios –redigida em espanhol e galego– declaram cinicamente o seu «máximo respeito polas duas línguas oficiais de Galiza», para justificarem a seguir que «a Administraçom deve abster-se de impor hábitos lingüísticos à cidadania e de estabelecer quotas mínimas de falantes. Qualquer coacçom ou imposiçom neste sentido deve ser rejeitada, por constituir umha clara vulneraçom da liberdade individual». Se, como dizia Marx, «as ideias da classe dominante som as ideias dominantes», achamos aqui umha perspicaz transposiçom do dogma económico neoliberal ao campo da sociolingüística. Um discurso, centrado nos direitos individuais, que pode ter amplo eco em segmentos das novas classes médias galegas, procedentes do êxodo rural e que rejeitam o galego como estigma dum passado de pobreza ainda muito recente. E um discurso, enfim, que aproveita certas debilidades discursivas do galeguismo: num dos seus panfletos, Galicia Bilingüe pergunta-se «porquê os que antes reclamavam este direito para os nenos galego-falantes, privam agora deste benefício os escolares que preferem fazê-lo em espanhol».
Deste ponto de vista ultraliberal, o facto de umhas línguas serem mais usadas do que outras seria fruto da capacidade natural que tenhem as primeiras para se adaptarem a um contorno globalizado e sujeito a constante mudança (darwinismo lingüístico). Como conseqüência disto, qualquer regulaçom dos usos lingüísticos converteria-se num atentado aos direitos individuais. Fai-se-lhes duro, porém, admitirem que as línguas caídas em desuso nom sumírom de forma espontânea, senom que fôrom substituidas por outras que, paradoxalmente, foram previamente introduzidas no território a lume e ferro. Os que reclamam a «despolitizaçom» da língua e a nom intervençom dos poderes públicos esquecem o facto de que todas as línguas, sem excepçom, ocupam o lugar que ocupam por motivos políticos.
É conhecido o idílio entre Galicia Bilingüe e o Partido Popular, que viveu o seu momento mais apaixonado o dia 8 de fevereiro de 2009, com a presença da cúpula popular na manifestaçom convocada pola Dama do Lago e os seus Lancelotes na capital de Galiza, em contra da política lingüística do bipartido. O secretário-geral do PPdeG, Alfonso Rueda, que estivo presente na marcha, declarava após as eleiçons autonómicas de 1 de março que: «Nós nom somos o mesmo que Galicia Bilingüe». Quem o diria, à vista dos primeiros meses do governo Feijóo. A sua principal iniciativa política fôrom os ataques à língua galega, inspirados polo extremismo galegófobo e personalizados no bizarro duo formado polo conselheiro de Educaçom, Jesús Vázquez, e o secretário-geral de Política Lingüística, Anxo Lorenzo.
A fulminante supressom do artigo 35 da Lei de funçom pública –que permitia a avaliaçom da competência lingüística dos aspirantes a funcionários públicos mediante provas específicas realizadas em galego– introduziu explicitamente esse neoliberalismo lingüístico na nossa legislaçom. Consoante ao preâmbulo da Lei de modificaçom: «O que deve primar é o absoluto respeito à hora de que as cidadás e cidadaos escolham com liberdade a língua em que se querem expressar, sem que exigências do poder público (…) podam menoscabar o exercício desse direito». O interesse privado coloca-se assim por diante do público.
Como vai garantir-se o direito da cidadania a ser atendida em galego se o poder público nom pode exigir o conhecimento desta língua aos seus empregados? A consulta fraudulenta às famílias sobre o uso da língua no âmbito educativo ou o anúncio de derrogaçom do Decreto do galego no ensino som outros exemplos conspícuos da subordinaçom do interesse geral da cidadania e do mandato legal de promoçom do galego por parte dum governo empenhado em satisfazer os sectores mais ultras da sociedade.
Ante esta ofensiva geral contra o galego, cabe pensar num novo horizonte, que garanta ao galego um futuro a salvo de constantes sobressaltos. Um novo modelo que, como na Suiça, na Bélgica ou no Quebeque, garanta a oficialidade única da língua no seu território histórico. Um novo modelo que aproveite a sério a identidade lingüística com as variantes portuguesa e brasileira do nosso idioma. Um novo modelo que supere os conceitos de «língua própria» e «língua oficial» para reconhecer o galego como «língua nacional» de Galiza. Um novo modelo, enfim, que tenha menos mimos para os neoliberais e muitos mais para os neofalantes.