O imperialismo não só combate com fuzis, com tanques, com satélites, com drones. Tampouco todo o imperialismo é bélico, mesmo sendo todo ele violento. Da multidão de formas em que as relações de dominação se materializam, uma está sempre presente: a dominação da opinião pública. Sem ser um requisito indispensável, nos atuais sistemas de democracia burguesa é mais difícil qualquer intervencionismo exterior que não for apoiado por ela. Por isso, toda estratégia de domínio imperialista reserva uma percentagem do seu esforço tático ao domínio da opinião, através da sua ferramenta básica: a propaganda. Porém, não toda a propaganda é igual —nem sequer toda a propaganda a favor do império. Tampouco o império se exerce do mesmo modo sempre, ainda que mantenha invariável o seu objetivo, que é a exploração maciça dos recursos alheios. A utilização de uma fórmula propagandística ou outra é definida, em todo caso, pola atitude favorável ou contrária que adotarem os povos objetivo do império.
Em primeiro lugar, contra os povos contrários ao império, há um intervencionismo direto, caracterizado como campanha de guerra, para o qual os princípios da propaganda são, basicamente, os definidos por Joseph Goebbels. Porém, a intervenção direta não só se dá pola via do confronto bélico. Também se exerce através de bloqueios económicos e sanções, como no caso de Cuba ou Coreia do Norte, ou armando e financiando elementos desestabilizadores sobre o terreno, como ocorre hoje com os «rebeldes» sírios ou com os opositores venezuelanos. Ambas as fórmulas costumam dar-se simultaneamente em todos os casos.
Para estes casos, o manual é invariável. Primeiro, simplifica-se o inimigo: Cuba, Irã, o Iraque, a Coreia do Norte, Líbia e Síria são unificados sob a etiqueta «Eixo do Mal». Depois, exagera -se qualquer anedota, convertendo-a em ameaça grave e totaliza-se um desenho desfigurado do inimigo, que é sempre sádico, tolo, caprichoso e odioso. Para melhor construir a ameaça, vulgariza-se a mensagem, adaptando-a ao «menos inteligente dos indivíduos a que vai dirigida» —por palavras do próprio Goebbels— o que se traduze em apelar aos instintos primários, preferentemente o medo, neste caso, a um ataque indiscriminado e irracional —porque o inimigo é sempre irracional. Ademais, a propaganda cimenta-se no substrato pré-existente de prejuízos e ódios em relação com o diferente, o outro. Por outra parte, as mesmas ideias são repetidas constantemente, de formas variadas e desde distintos vozeiros convenientemente disseminados, também polo espetro ideológico, mas que recuncam sempre na mesma ideia subjacente: que o mal pode vir em qualquer momento. E, evidentemente, silencia-se qualquer realidade sobre a qual não haja argumentos e acusa-se de falsa qualquer informação favorável ao inimigo —polo geral a própria barbárie indissociável do facto imperial. Por isso os nossos ministérios da guerra são «de defesa» e os nossos exércitos são «forças de paz». Todo este complexo desenho é reproduzido, ademais, a um ritmo tal que quando o inimigo quiser desmontar a falácia, a opinião pública estiver já interessada noutra anedota elevada a exemplo perfeito do perigo que espera qualquer descuido. Em resumo: a intervenção é indesejada por quem a inicia e só responde a uma causa nobre ou sagrada e jamais a interesses particulares; o inimigo é o único responsável, e qualquer pessoa que duvide desta fórmula comete traição.
Em segundo lugar, contra os Estados favoráveis à intervenção (outra cousa são os povos), há outro intervencionismo, que poderíamos denominar «messiânico» e que joga com resortes mais próximos da caridade cristã e do humanitarismo. Aqui, o motor da propaganda não é o medo, mas a compaixão. Nesses casos, os povos aparecem como selvagens ou incapazes, e é a caridade a que dispõe a opinião pública a favor da intervenção. São enviadas «forças humanitárias» ou «forças de paz» para apoiar civis indefensos afetados por desastres naturais ou por organizações terroristas que os Estados amigos não conseguem combater. O trabalho da propaganda é disseminar a ideia de que, nestes casos, o intervencionismo não é para submeter e destruir; é para «ajudar». E, porém, a ajuda costuma ir acompanhada de fórmulas que permitem os grandes capitais colonizarem a região e modificarem a legislação favoravelmente sem oposição do povo, mais ocupado em sobreviver. Assim passou com Haiti, recentemente, e já antes com a América do Sul e com a Europa do antigo bloco socialista. Alimentar as crises regionais e aproveitar o shock para ocupar novos territórios são dous lados da mesma moeda, que é a moeda da dívida odiosa, da dependência, e do fim de qualquer soberania efetiva. Se a ajuda for contra organizações terroristas —existam ou não—, nada mais singelo do que anunciar a presença de células jihadistas onde for necessário. À velocidade que esse relato se propala, a simples suspeita de que determinado povo possa estar a sofrer ou a alimentar aparatos terroristas resulta já imparável. Imediata- mente a opinião pública «compreende» que o país deve ser intervindo e a ordem restaurada. Se, durante o processo, o capitalismo transnacional coloniza o país, subtraindo maciçamente os seus recursos, é algo que não aparecerá no relato fabricado ao efeito para consumo da satis- feita opinião pública.
Em todos os casos, a propaganda imperialista tem um papel teleológico: o objetivo é sempre a intervenção, o império; e o conjunto do argumentário está desenhado de forma tal que derive necessariamente nesse fim. Ao mesmo tempo, todos estes princípios partem de definições do que o outro é e do que deseja na sua mais oculta intimidade. E, evidentemente, são as potências do capital as que decidem estas questões e escrevem o relato em cada caso, reconfigurando a velha partição do mundo sobre a base de quem são os bons / civilizados e quem os maus/ incapazes. Em função disto, poderão variar as fórmulas da propaganda e a forma de exercer o império. Mas, sob este sistema, seja como for, a dominação não se discute: sempre estará presente.