OTAN: uma história de violência

Hoje, 65 anos após a sua fundação, falar da OTAN equivale a falar do papel que os Estados Unidos jogam no cenário da geopolítica e da bandidagem em escala global. É certo que nela não estão apenas os Estados Unidos, mas também o é que dos 28 membros do Tratado do Atlântico Norte, são eles e os seus interesses oligárquicos que dirigem a totalidade das operações. Criada originariamente em 1949 em vista a um futurível ataque da União Soviética que nunca se produziu, mas que os meios capitalistas pronosticavam como parte da estratégia do medo ao comunismo, o que também é certo é que a história de violência da OTAN se constrói unicamente com capítulos de agressão. Uma história longa e intensa que a levou a ser responsável por 70% do gasto militar planetário, e a ter um orçamento para guerras que representa, cada ano, 2% do PIB mundial.

O que poderia parecer uma transformação de base, da originária defesa mútua para a atual modelo de agressão sistemática, não é outra cousa que o desmascaramento dos princípios reais da “aliança”, que apontala sobre uma supremacia militar incontornável tanto a usurpação dos minguantes recursos naturais em todo o planeta como o bloqueio à aparição de qualquer bloco antagónico, anti-imperialista.

Dizer que, a todos os efeitos, a OTAN é hoje o braço armado do império pode resultar repetitivo, mas nem por acaso se trata de um cliché: é só deitar uma olhada pola sua história de violência global aberta após a queda da União Soviética, o que lhe permitiu passar dos simples exercícios exibicionistas para a fase de alargamento para o leste da Europa, à caça dos Estados do antigo pacto de Varsóvia que deviam ser integrados ao passo da instalação do capitalismo em cada um deles. Não é por acaso que a sua primeira intevenção fosse na Bósnia para apoiar a queda da República Federal da Iugoslávia, aliás sem ter sido previamente solicitada por nenhum membro invocando aquilo da defesa coletiva.

Desde aquele 1994, não tem deixado de agredir países e povos, nem de abranger cada vez mais área de influência. Kosova em 1999, Afeganistão em 2003, o Iraque em 2004, a Líbia em 2011, as ameaças contra a Síria em 2013 — só não materializadas pola manobra diplomática russa— e uma mais do que previsível próxima intervenção na Ucrânia contra o Donbass antifascista são apenas o seu rasto oficial de sangue e fumo, não por casualidade focando sempre áreas de antiga influência soviética e do velho movimento dos países não alinhados.

Mas a sombra do império é muito mais alargada do que as intervenções militares. Em primeiro lugar, pola imensa rede de bases militares que capacitam a organização para intervir em qualquer lugar do planeta. A autolimitação geográfica originária, a norte do trópico de Câncer, não impede essa expansão da sua infraestrutura: por exemplo, as 23 bases na América do Sul, a maioria delas administradas diretamente polos Estados Unidos em linha com o processo latinoamericano de integração anti-imperialista. A realidade que essas e outras bases revelam é apenas a evidência de a OTAN ser, exclusivamente, a máscara com que os EUA e em segunda instância os seus parceiros diretos europeus agem militarmente muito além da área originariamente definida, em relação direta com o resto de infraestrutura militar norte-americana, que conta com mais de um milhar de instalações de todo tipo repartidas em 63 países, com alcance global.

E o braço continua a se armar e a crescer, colocando tropas em 165 países. Muitas vezes sob guarda-chuvas (só formalmente) das Nações Unidas, ao ponto de se terem tornado confundíveis para muitas pessoas. Outras vezes aproveitando as operações militares para deixar nos terri- tórios intervindos novas instalações, como no Iraque ou no Afeganistão, que abandonam de iure mas onde permanecem de facto, dentro da estratégia de controlo da Ásia Central. E outras vezes com a assinatura de parcerias de segurança negociadas em secreto (via serviços de inteligência) que permitam 1) integrar países neutrais do antigo grupo dos Não Alinhados, com especial atenção à Índia, 2) promover outras associações militares análogas que permitam ultrapassar os limites formais da OTAN (Golfo Pérsico, Ártico, Báltico, Japão), e 3) continuar com a OTANização da ASEAN (Sudeste Asiático) e da União Africana e com o controlo total do Mediterrâneo (apenas quebrado pola base russa na Síria e a saída da Crimeia). O resultado desta fase expansiva, quando se confirmar o passo formal na África e na Ásia do Sudeste, será a integração de mais 60 novos membros em organizações direta ou indiretamente dirigidas polos Estados Unidos e a assinatura, em paralelo, de tratados de livre comércio que permitam a introdução maciça dos produtos americanos de modo a combater a sua própria crise de supremacia económica.

Porém,mesmo com a inquestionável expansão imperial e em meio à fase de máxima aceleração dessas integrações forçadas, continua a ser impossível falarmos de um mundo unipolar. A recuperação de uma posição internacional de força na Rússia pós-soviética e a recente priorização que a China está a conceder às suas relações internacionais após anos de certa introspeção, unido às fluentes relações entre ambas as potências e aos seus interesses comuns neste plano, que não passam de modo nenhum por se submeter a Ocidente, desenham um cenário de blocos antagónicos como não se via desde a implosão da URSS.

Sessenta e cinco anos após a sua fundação, e tendo já demonstrado que o conceito de autodefesa não era mais do que uma estratégia de propaganda polo medo potenciada polos governos capitalistas ocidentais, o que fica claro é que a OTAN continua a fazer o que sempre fez: reforçar e alargar a liderança norte-americana, por diversas vias e sempre de maneira maquiavélica, incluindo falsas revoluções de cores, golpes de Estado ou atos de falsa bandeira como o último ataque a um avião civil sobre território das repúblicas populares do Donbass. O procedimento é claro, circundar a Rússia, isolar a China e, eventualmente, dinamitar o seu novo entendimento. O objetivo também: continuar assegurando o domínio norte-americano por meio da supremacia da força militar.

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