O (in)evitável ascenso da lei mordaça

Ainda nom transcorrera umha semana desde a jornada de protesto convocada em Santiago de Compostela para apoiar o CSO Escárnio e Maldizer e as agências de notícias, devidamente adoutrinadas pola delegaçom do governo, já apregoavam as conseqüências: “multas de até 30.000 euros para os identificados na manifestaçom”, “400 propostas de sançom administrativa”, “infraçons graves da Lei de segurança cidadá”.

O fenómeno nom é novo, mas cada vez se torna mais visível: o Direito Administrativo está a substituir o Direito Penal como principal ferramenta escolhida polo Estado para reprimir o conflito social, quando este se manifesta em forma de manifestaçons, greves ou outros meios de contestaçom e dissidência.

Desde as origens do Estado de Direito, as classes dominantes legitimam a repressom — o “monopólio da violência legítima”, por palavras de Weber — mediante o seu revestimento com formas legais. Neste momento histórico, a repressom legal que exerce o Estado adopta duas fasquias diferentes, mas complementares: o Direito Penal — repressom de alta intensidade, materializada em detençons, acusaçons por delito e penas de privaçom de liberdade e outros direitos — e o Direito Administrativo — repressom de baixa intensidade, consistente na imposiçom de multas com menores garantias jurídicas. A modificaçom em 2015 do Código penal e da Lei de segurança cidadá (Lei Mordaça) obedece a esta lógica “burorrepressiva” de asfixiar os conflitos com elevadas sançons económicas, sem os custos sociais de empregar a repressom penal, que se considera mais própria de estados autoritários.

A mostra mais clara deste novo paradigma repressivo é que as condutas ilícitas menos graves — as faltas — desaparecêrom do Código penal para serem punidas por via administrativa. A respeito da antiga norma de 1992 (Lei Corcuera), a Lei Mordaça mantém o custo para as sançons muito graves (de 30.001 a 600.000 euros), mas duplica o mínimo das graves (de 300,52 a 601 euros) e o máximo das leves (de 300,52 a 600 euros). Aliás, a nova Lei eleva o número de faltas leves da Lei Corcuera, que pasam de 10 a 17, enquanto as graves passam de 16 a 23. Este incremento do número de infraçons pode explicar-se como conseqüência da transformaçom de faltas penais em infraçons administrativas, mas esta inovaçom rara vez será beneficiosa: as multas administrativas som, de regra, mais elevadas que as que estavam fixadas no Código penal para condutas similares.

A repressom em via administrativa tem outra vantagem óbvia para o Estado, do ponto de vista processual. A jurisdiçom penal está baseada no princípio de presunçom de inocência, de modo que o testemunho dos agentes da polícia nom tem um valor superior ao de qualquer outra pessoa. Porém, a jurisdiçom contencioso-administrativa limita-se a revisar a legalidade do procedimento administrativo, no qual as informaçons achegadas polos agentes de autoridade, devidamente ratificadas, som suficientes para sancionar, ainda que o inculpado negue os feitos.

Por outro lado, a Lei Mordaça caracteriza-se por utilizar umha linguagem laxa e pouco precisa, o que abre a porta a interpretaçons extensivas. Um exemplo disto é o artigo 35.1: “som infraçons muito graves as reunions ou manifestaçons nom comunicadas ou proibidas em infraestruturas ou instalaçons em que se prestam serviços básicos para a comunidade ou no seu contorno”. Aqui a Lei equipara duas condutas muito diferentes: as reunions nom notificadas e as proibidas, o que vulnera o princípio de que a sançom deve ser proporcional à gravidade da infraçom. Parece evidente que nom tem a mesma entidade nom notificar unha manifestaçom que fazê-la umha vez que foi proibida; neste segundo caso, a autoridade governativa tivo de justificar devidamente que existiam motivos fundados para prever que se podiam produzir situaçons de perito em pessoas ou bens. Em definitivo, é um evidente excesso punitivo estabelecer a mesma sançom, de extrema gravidade, para duas condutas muito diferentes na sua entidade.

Resulta também preocupante que a Lei sancione condutas que, de seu, nom produzem dano à segurança cidadá. Por exemplo, é falta leve a execuçom de atos de exibiçom obscena, com multa de até 600 euros. Cabe perguntar-se o que entenderá por tal a autoridade administrativa e se chegará a aplicar-se a pessoas que empregam os seus corpos nus como forma de protesto. Em todo o caso, se a pessoa que protesta nua se resiste à intervençom policial, a sua conduta poderia ser qualificada como infraçom grave, sancionada com multa de até 30.000 euros. Paradoxalmente, a puniçom era menos severa quando estava castigada no Código penal.

O legislador preocupou-se também de pôr atrancos à defesa jurídica dos manifestantes. O artigo 36.23 considera como infraçom grave “o uso nom autorizado de imagens ou dados pessoais ou profissionais de autoridades ou membros das Forças e Corpos de Segurança”, de forma que parece impor-se umha proibiçom geral do uso de fotos ou vídeos dos agentes de polícia, salvo autorizaçom administrativa. É mais, permite-se em certos casos à administraçom sancionadora incautar o material informativo.

Esta previsom legal, assim interpretada, parece pouco compatível com as garantias constitucionais e os tratados internacionais. A polícia exerce funçons públicas muito relevante e deve estar sujeita ao controlo dos poderes públicos e da própria cidadania, de modo que a regra geral deveria ser a contrária: o direito a captar imagens em espaços públicos. Assim foi como o entendêrom tanto o Tribunal Europeu de Direitos Humanos — caso Sürek contra Turquia, de 8 de julho de 1999, que condenou o estado turco por vulnerar os direitos dumha revista a revelar a identidade de funcionarios que cometeram irregularidades — como o próprio Tribunal Constitucional espanhol — sentença do 16 de abril de 2007, que reconheceu o direito a publicar a foto de um agente de polícia que estava a participar num despejo por ordem judicial.

Se me permitem umha confidência final, para mim o mais grave da Lei Mordaça nom é o seu conteúdo autoritário nem o uso antidemocrático que dela está a fazer o governo do PP. O mais desolador é que, existindo no Congresso dos Deputados umha maioria suficiente para derrogá-la, ninguém tomasse a iniciativa. Cada vez que como advogado tenho que recorrer umha multa sem muitas esperanças no resultado, pergunto-me o porquê.

Comparte:

Share on facebook
Share on twitter
Share on whatsapp
Share on telegram

As últimas entradas

Arredista en papel nº21

Data: xullo de 2021 Esta novo número do ‘Arredista!’, ademais de cumprir co habitual número que lanzamos o Día da Patria, supón o décimo aniversario na súa edición ininterrompida desde aquel primeiro número en xullo de 2009. Nesta andaina a

Arredista en papel nº20

Data: xullo de 2018 Van xa vinte números desde que, en 2009, decidimos criar a revista Arredista! como espazo de comunicación do Movemento Galego ao Socialismo. Nas súas follas, que foron saíndo cumpridamente a cada Primeiro de Maio e a

Arredista en papel nº19

Data: maio de 2018 Hai un mundo onde, hoxe — mentres les este editorial —, habería unha nova república a nacer aos pés do Mediterráneo. Nese mundo, as persoas non son encarceradas por defenderen a soberanía dos seus países, nen

Arredista en papel nº18

Data: xullo de 2017 Neste novo Día da Patria o noso país continúa sumido nas consecuencias da crise, a pesar da propaganda dos gobernos galego e estatal sobre unha suposta recuperación. Analizamos, pois, de forma demorada, os pasos que desde