En 1975, quando a Uniom Europeia nom amosara tam às claras a sua natureza e o neoliberalismo nom desatara a sua ofensiva mais devastadora, celebrou-se no Reino Unido um referendo sobre a permanência na Uniom Europeia. Ganhou a opçom da ficar com mais de 2/3 dos votos. A diferença de hoje, praticamente toda a esquerda dos povos do Reino Unido defendera daquela a saída, incluíndo as forças nacionalistas (Sinn Féin, Plaid Cymru ou SNP) e até um importante sector do laborismo. Também Jeremmy Corbyn, cuja posiçom anti-UE mantivo firme até pouco antes deste novo referendo.
Vendo que desta a campanha pola esquerda a favor da saída da UE (“Lexit”) foi ben menor (aínda que meritoria), cumpre perguntar-se se é que a UE ten dado sinais de ser reconduzível até posiçons progressistas. A resposta parece evidente, mas contra toda evidência empírica agora mesmo a maior parte da auto-denominada esquerda europeia evita questionar todo isto, usando a ladaínha da “outra UE possível” — que nem existe nem pode existir. Nom negamos a possibilidade dumha articulaçom europeia baseada numha cooperaçom real de povos soberanos em benefício das maiorias sociais (a semelhança do que representa o ALBA na América), mas se esse projeto se concretar no futuro só será possível contra a UE ou, no melhor dos casos, sobre as suas ruínas.
A pesar da posiçom da maioria das direçons dos principais partidos e instituiçons, desta volta o resultado do referendo foi favorável à saída da UE. Houvo entom quem (desde todos os meios do sistema, mas também boa parte da esquerda) tentou fazer-nos sentir como própria a derrota da grande banca europea, BCE, FMI, BM, NATO, G-7 e todos os governos europeus que sem excepçom defendiam a “estabilidade”. Vendo o discreto papel da esquerda neste resultado, é certo que é difícil sentir como própria a vitória, mas em absoluto temos motivos para nos sentir derrotadas.
Assumamos que as duas posiçons estavam hegemonizadas pola direita, e ela ia ser quem construisse o relato do dia seguinte fosse qual fosse o resultado. Á margem disso, o resultado abre possibilidades mais interessantes que a via de caminho único que a “construçom europea” impuxo nos últimos anos. Um exemplo bem claro disto: se Corbyn chegasse a governar no futuro já nom teria escusas para incumprir o seu programa (que sem ser particularmente revolucionário entra, como o de SYRIZA, em clara contradiçom com as pautas da UE). Citemos só umha reivindicaçom histórica da esquerda británica: a nacionalizaçom dos caminhos de ferro, que está explicitamente proibida pola UE.
Os sectores pro-UE tentárom apresentar o Brexit como umha catástrofe e associar exclussivamente o voto pola saída coa xenofóbia, mesmo chegando a acusar quen votou pola saída como ignorante, chovinista ou racista. É só ollar as cifras para desmontar essa a análise: o voto pola saída quadriplicou o máximo histórico de votos do partido xenófobo UKIP.
Ademais, os discursos que vinculam a “toleráncia” coa imigraçom co apoio à UE esquecem o recente acordo com Turquia ou a criminal gestom da “crise das refugiadas”, e também ocultam que de ter ganhado a permanência teria entrado em vigor de imediato o acordo de Cameron com Bruxelas que recortaria direitos às migrantes: a luita das pessoas migrantes nom começou co referendo nem remata agora. A perda, conservaçom ou conquista de novos direitos dependerá, como sempre, da correlaçom de forças e da capacidade de extender un discurso que evite enfrontar as vítimas da crise entre si e assinale aos que estám a aproveitar-se dela. Uma batalha que nom é só contra a direita abertamente racista de personagens como Farage, mas também contra umha UE que planifica e impom as políticas e as guerras que obrigam a milhons de pessoas a fugir dos seus países para depois deixá-las morrer nas fronteiras.
Portanto, é um erro interpretar a maior parte do voto anti-UE nesse quadro migratorio e ignorar a progressiva degradaçom das condiçons de vida das classes mais empobrecidas como catalisador fundamental do resultado. Também seria ilusório deduzir do voto anti-UE umha adesom consciente das capas populares (as que decantárom a votaçom) em favor dum projeto progressista ou revolucionário. Provavelmente estejamos apenas ante um voto fundamentalmente anti-establishment, pois poucas instituiçons podem identificar-se tanto com o sistema como a oligárquica, profundamente anti-democrática e distanciada da populaçom da UE. Esse sentimento, crescente e compreensível, é o que deveria tentar aproveitar (e alimentar) a esquerda. Mas as mesmas que renunciam a criticar a UE (quando as razons para isso aumentam cada dia) queixam-se amargamente depois de que a extrema-direita europeia capitalize em exclussiva essa crítica. Se a direita é quem de patrimonializar o Brexit (como o teria feito co resultado contrário), será polas carências dumha esquerda que durante décadas ficou presa das ilusons sobre a impossível reforma do projecto europeu, com resultados tan desastrosos como a brutal desfeita grega.
Tristemente, em todo o continente fôrom poucas as forças de esquerda capazes de caraterizar corretamente a situaçom, entre as quais o BNG, o PCP ou a CUP. Quanto às forças espanholas, como era esperável, existiu um novo consenso do tetrapartidismo, cujos atores mesmo competiam por mostrar quem figera mais esforços por garantir a unidade da UE.
A evoluçom dos próximos anos quanto à (re)conquista de direitos dependerá como sempre da capacidade de luita dos povos frente à ditadura do capital, independentemente do resultado dumha votaçom pontual. Mas ninguém com algo de siso pode pensar que a UE pode ser, nem sequer hipoteticamente, aliada nessa batalha, quando nasceu e se desenvolveu precisamente para garantir os privilégios das oligarquias do continente. A saída nom garante por si própria mudanças progressistas, mas é claro que a permanência sim que as limita.
O imprevisto resultado do referendo mostra que venhem tempos confusos e de mudança, e cumpre estarmos preparadas para saber analisá-los correctamente e incidir neles. Para isso será chave caraterizarmos corretamente a UE e defender a ruptura com ela porque esse é único horizonte viável para um futuro de justiça social, mas também para evitar deixar em bandeja a sua crítica à extrema-direita e que medrem de novo os monstros do fascismo no continente.