O objetivo é convencermos as gentes indecisas, agitarmos nas ruas para tornarmos tantas insatisfações, tantas indignações num lume de verdadeira transformação social
O 20 de julho apresentava-se publicamente Galiza pola Soberania, umha iniciativa social que quer promover a toma de consciência em torno da plena soberania. Falamos com Teresa Moure, escritora, companheira do BNG, ativista implicada nas mais diversas luitas emancipatórias e também integrante da Comissão Gestora da GpS, para conhecer esta novidosa e ambiciosa plataforma.
Galiza pola Soberania parte com um objetivo principal (a toma de consciência em torno da plena soberania), polo que também trabalham coletivos políticos e sociais. Que achega de novo esta plataforma e por que nasce agora?
A plataforma nasce num momento especialmente difícil tanto no que respeita à situação econômica como no recorte de liberdades que propicia o estado, nesta etapa particularmente repressor. Não vimos competir com as forças políticas, sindicais ou do associacionismo já existentes, ao contrario. Estamos aqui para lhes brindar um marco desde onde trabalhar conjuntamente, conscientes de abrirmos uma porta alternativa, com a confiança de podermos tecer junt@s, por primeira vez, desde siglas diferentes, iniciando um processo que deve conduzir-nos para a história nossa, a autêntica, a que implique decidirmos quem somos e quem queremos ser.
A plataforma tem umha estrutura soberana e de afiliação individual. Mas também aspirades a contar com a cumplicidade e implicação de forças políticas e movimentos sociais?
Sim, com efeito. Desde o começo houve entre nós muitas vozes que advertiram das limitações de considerar esta iniciativa como uma simples mesa de partidos com acordos pontuais. Nesse sentido é que sublinhamos a importância da afiliação individual para vencermos reticências do passado, incorporarmos pessoas que atualmente não respondem a uma filiação política e conseguirmos maior grau de efetividade, propulsando todas as sinergias sociais para o soberanismo.
Imos comentar alguns dos tópicos que habitualmente apresentam os inimigos da soberania. É um momento de crise profunda o melhor para reivindicar a soberania?
O problema é que não vão chegar momentos melhores para a Galiza sem capacidade de decidirmos… Aliás, a ideia de que, perante uma crise sistêmica profunda como esta, todos os problemas que tinha a sociedade anterior à crise devem ser adiados é profundamente reacionária. Se a crise determinasse que agora já não fossem urgentes, ponhamos por caso, as reivindicações ecologistas ou feministas, porque o único importante é conseguir postos de trabalho, isso significaria que tais reivindicações nunca entraram na agenda dos partidos políticos de verdade, em pé de igualdade com, por exemplo, as questões sindicais. Seria reconhecer que sempre se aceitaram como reivindicações burguesas que só podem acrescentar-se de maneira cosmética ao objetivo principal. Nos momentos de crise é quando estouram as contradições e quando se observa melhor que a listagem de prioridades é complexa e em absoluto deve conduzir-nos para contentar-nos com pequenas mudanças a qualquer preço. Se há crise econômica é também porque nos estão a governar desde fora e mal. Se sofremos essa crise pior que noutros territórios é porque sempre estivemos baixo condições de espólio. Levantarmos uma sociedade mais autogestionada e mais soberana, que chegado o momento poda dizer “assim não quero Europa”, por exemplo, é a única opção para paliar os efeitos da crise entre nós.
É normal que a independência seja um desejo das soberanistas. Mas porque afirmades que é também umha necessidade para a Galiza? Nom seria umha ruína para um país que sempre alcumam de pobre?
Galiza nem é pobre nem vive de subvenções. Apenas está mal administrada porque a gestão atual não pretende reverter no país, mas usufrutuá- lo. Isso é o que demonstram todos os indicadores econômicos e a história que mal conhecemos. Não se trata só de reclamarmos a nação sonhada (que também), mas de dar soluções a tantos problemas como temos abertos. O naval, o agro, as explorações de minaria que atentam contra o território e as pessoas, a emigração, a estafa das preferentes, a aniquilação das expectativas de futuro para a mocidade, o atentado contra a língua e a cultura próprias e a geral repressão, entre tantos outros problemas, estão a demandar uma gestão galega, enraizada na realidade do país.
No manifesto fai-se menção doutras causas emancipadoras, da cultura às questons de género, a língua ou à ecologia. Mas ha- verá quem afirme que nada disso tem nada a ver com a consecução dum Estado galego. O soberanismo implica sempre outras propostas políticas?
Quando uma nação reclama a sua independência, já entrado o século XXI, é impossível que não mire para a história e incorpore para a conformação dum eventual estado as achegas transformadoras que bolem na sociedade. Dito de jeito simples: não fazemos este percurso para levantar um estado tão corrupto, tão competitivo, tão gerador de abismais diferenças de classe, tão agressivo com a natureza ou tão patriarcal como os que já estão em pé. Encetamos esta etapa para construirmos outro tipo de estado e isso implica as achegas dos movimentos sociais que geraram ideias libertadoras. Posso explicá-lo com uma comparação. Todas as mulheres de certa idade conheceram uma sociedade bem diferente a atual; uma sociedade de onde estavam excluídas como sujeitos políticos. O direito ao voto das mulheres, conseguido em 1978, unido às liberdades que foram aranhando as feministas para todas (do aceso ao trabalho e à formação até o direito ao aborto ou a contracepção) conformam de maneira decisiva a sociedade atual. Acho, neste sentido, que as mulheres idosas podem entender melhor do que outros coletivos sociais o que supõe a soberania. Sem a independência em termos econômicos e simbólicos não havia para elas um lugar nem um projeto próprio. O mesmo acontece com a Galiza. Também por essas lições não devemos prescindir das ideias alternativas. Finalmente, a soberania não consiste unicamente em tirar com uma bandeira para pôr outra.
Outra crítica comum é situar o nacionalismo em geral, e o independentismo em particular, entre as ideologias periclitadas. É possível um Estado galego no século XXI?
Deve de ser possível porque desde os anos ’90 apareceram 35 estados novos, a maior parte deles na Europa. Em qualquer caso a acusação de o independentismo ou o nacionalismo serem ideologias periclitadas é uma das manifestações habituais do pensamento único. Segundo este modelo findou o tempo das ideologias, de maneira que as pessoas apenas podem atuar como sujeitos particulares movidos por interesses materiais profundamente individualistas. Esta ideia é cínica desde o ponto de vista político e, aliás, perversa desde o ponto de vista ético. Para o caso galego a resistência ao soberanismo vai chegar, basicamente, de dous focos. Por um lado uma massa de indivíduos desorganizados e apáticos que, se não conformes com o panorama, respondem ao lema “sempre foi assim, e assim seguirá a ser” com que se justifica qualquer corruptela. Por outro lado −e isto é mais preocupante− estão as pessoas que poderiam dar um forte pulo a este movimento de emancipação, mas que desconfiam do nacionalismo como se este procurar um enaltecimento étnico da galeguidade. Na mocidade este discurso é bem habitual e devemos ser capazes de rebaixar as suas cautelas. Não somos nacionalistas pensando que ser galeg@s implique sermos superiores a ninguém. Não temos nada de sectário nem prescindimos da ótica internacionalista e mesmo estamos trabalhando com todas as cautelas para criticar as estruturas opressivas que tendem a acompanhar ao poder nos estados já constituídos. Não queremos manter o mundo-tal- qual-é e incorporar Galiza como mais um estado disposto a aceitar os valores desse mundo.
A consciência nacional na Galiza é frequentemente comparada com a de Euskal Herria e os Países Cataláns, normalmente para realçar as nossas fraquezas. Que opiniom che merece esta comparação?
É interesseira e pretende desativar-nos por quanto supostamente na Galiza não haveria apoio popular para o soberanismo. Porém, o nacionalismo galego não se nutre dos mesmos fundamentos que os nacionalismos basco e catalão. O pensamento emancipatório galego é, como sabemos, de classe e libertador. Nem se fundamenta em conceitos ligados à raça, como aconteceu noutros nacionalismos de determinados períodos históricos, nem procura a defesa dos interesses dum grupo social acomodado: vai destinado à melhora das condições de vida das maiorias sociais. Teremos menos populismo, porém muita maior capacidade de transformação social.
No vosso manifesto manifestades a opossição ao Estado espanhol e à Uniom Europeia. É imprescindível romper com estas estruturas ou avondaria com reformá-las?
A iniciativa GpS pretende desenvolver um trabalho ideológico e mobilizador para criar consciência. Nem nos conformaremos, nem aceitaremos migalhas que nos distraiam do objetivo principal de reclamarmos a nossa absoluta capacidade de decidir coletivamente. O objetivo é convencermos as gentes indecisas, agitarmos nas ruas para persuadir, para atrair, para convocar a sociedade inteira e tornarmos tantas insatisfações, tantas indignações num lume de verdadeira transformação social. Tais são os objetivos com que iniciamos esta etapa e que moverão a iniciativa. Cumpre recordar que apenas houve um projeto semelhante na história e, aliás, que temos a certeza de que Galiza merece exercer a sua soberania; a sua soberana capacidade de se constituir numa nação livre, orgulhosa de si, num povo que, sem complexos, reclame a sua independência. Obviamente, o processo vem de iniciar-se e os debates deverão dar-se no seu transcurso. Pessoalmente, posso dizer que não vejo como pôr-lhe remendos a este estado nem a esta União Europeia.
Já no concreto, quais som as linhas de intervenção da plata forma?
O nosso objetivo é extender a consciência sobre a necessidade de atingirmos a soberania e, por tanto, será labor constante a socialização de argumentos soberanistas e, em paralelo, a mobilização de energias sociais para reclamarmos o exercício desse direito polo nosso povo. Tudo, aliás, evitando qualquer partidarismo, tornando os princípios soberanistas um programa suprapartidário assumível pola maioria social galega, pola via da convicção sobre a conveniência que para a ela vai ter conquistarmos a soberania. Nesse caminho, deveremos avançar por várias vias de trabalho interno e externo, tentando socializar os nossos princípios e fortalecer a iniciativa com a adesão de novos setores dos movimentos sociais entendidos de maneira ampla: partidos, sindicatos e entidades de todo o tipo. Isso implica apresentar a iniciativa a sociedade e ativar a difusão de atividades onde debatermos e de materiais que combatam o imaginário espanhol omnipressente, para além de tomarmos contato com os coletivos sociais e procurarmos os meios para apresentar moções soberanistas nas instituições. As decisões deverão ser tomadas por consenso.
Está GpS aberta a mais incorporações e adesons?
Obviamente: estamos a convocar todas as forças vivas da sociedade e todas as pessoas conscientes a se moverem a favor deste processo aderindo uma iniciativa plural e inclusiva. Precisamos todos os esforços porque sabemos que do outro lado, desde um estado cada vez mais recentralizador e opressivo, vamos ver uma resposta fulminante.
E que futuro imaginas para a plataforma?
Um futuro ótimo!… A história demonstra que o que semelha uma utopia num momento determinado é realidade no capítulo seguinte. Estamos aqui para resistirmos, para convencermos e para vencermos.
Não se trata só de reclamarmos a nação sonhada (que também), mas de dar soluções a tantos problemas como temos abertos.