A senteça do estatut e o independencismo necessário

Em 1857, a Corte Suprema dos Estados Unidos de América (EUA) ditou a tristemente famosa sentença do caso «Dred Scott contra Sandford», que fixou a doutrina segundo a qual os escravos e descendentes de escravos nom eram cidadaos estadounidenses e, por conseguinte, nom desfrutavam dos direitos constitucionais, entre eles o direito à tutela dos tribunais de justiça. Tampouco se podia entender que um escravo ficasse liberto polo facto de residir num estado onde estivesse abolida a escravatura.

O caso é citado amiúde como um exemplo do que nom deve ser a jurisdiçom constitucional, que está vocacionalmente chamada a desempenhar um papel de integraçom da comunidade política e de superaçom do conflito social. Assim, a sentença intensificou a tensom entre abolicionistas e escravistas, que acabou por desencadear a guerra civil entre os estados unidos do Norte e os confederados do Sul, com o resultado que conhecemos, nom tanto polos livros de história como polos filmes de cowboys.

No ano 2009, o constitucionalista Hèctor López Bofill, do Cercle d’Estudis Sobiranistes, observava certos paralelismos entre o caso «Dred Scott contra Sandford» e a previsível sentença do Tribunal Constitucional sobre o Estatuto de Autonomia da Catalunha. Descartando felizmente a hipótese bélica, resulta incontestável que a decisom do Constitucional está a activar elementos de disgregaçom no Reino de Espanha, ao conter vícios análogos aos da sentença estadounidense: um grave ataque à liberdade e à dignidade, nom apenas do povo da Catalunha, mas da própria democracia, ao ser suplantada de jeito grosseiro a vontade popular expressada em referendo pola decisom de um Tribunal abertamente politizado, que funciona como un apéndice das posiçons dos partidos do regime.

A sentença contra o Estatut

A sentença do Tribunal Constitucional, neutraliza o termo «naçom» do preámbulo do Estatuto de Catalunha –ao indicar que carece de eficacácia jurídica interpretativa– e priva portanto do seu significado óbvio o adjectivo¶

«nacional» (referido à bandeira, ao hino, etc.) do articulado. Negar a virtude hermenéutica do preâmbulo de umha norma é contrário aos princípios mais básicos da técnica jurídica: se para algo serve umha exposiçom de motivos é precisamente para interpretar o conteúdo normativo da lei que precede. Por outro lado, pôr em causa que Catalunha (ou Galiza) seja umha naçom vai contra as tendências actuais, como a Resoluçom da Assembleia Parlamentar do Conselho de Europa 1735 «The concept of Nation», de 26 de janeiro de 2006, que aconselha aos estados-membros nom definirem o estado identificando-o com umha única realidade nacional ou naçom.

Outras declaraçons de inconstitucionalidade atingem artigos que supunham pequenos avanços a respeito do anterior Estatuto de 1979. Nomeadamente, declara-se inconstitucional que a língua catalá seja a preferente nas administraçons públicas ou a veicular no ensino. Elimina-se o Conselho de Justiça da Catalunha, que pretendia achegar a administraçom judicial à sociedade catalá, bem como a exclusividade do Valedor do Povo catalao para controlar a administraçom autonómica, e declara-se inconstitucional a técnica do relatório vinculativo do Conselho de Garantias Estatutárias. A retallada completa-se com restriçons ao modelo de financiamento e, nomeadamente, com a censura do Tribunal Constitucional aos limites que se pretendiam impor às leis estatais básicas (com as quais o Estado «move o quadro» competencial ao seu favor).

Adéu, Espanya?

Em qualquer caso, a sentença suporá o esfarelamento do mito, sustentado por boa parte do catalanismo político, de que a relaçom entre Catalunha e Espanha se baseava num pacto político entre pares, do qual o Estatut era a expressom jurídica formal. Mediante a obsessiva repetiçom do mantra da «indisoluble unidad de la Nación española» (artigo 2 da Constituiçom espanhola) o Tribunal Constitucional quer remarcar umha ideia-força: Espanha nom é parte contratante, mas o único sujeito de soberania, que impom a sua ordem política e jurídica de forma unilateral.

Com isto, a longa marcha das posiçons independentistas no sistema de partidos de Catalunha –desde a marginalidade à hegemonia– pode considerar-se lenta, mas parece inexorável. Na década de 1990, ERC abandonou o federalismo e declarou-se explicitamente independentista. Na década de 2000, a nova direcçom de Convergència Democrática de Catalunya (o chamado pinyol) aspira a superar o pujolismo pola via da independência. E, na altura de 2010, mesmo um sector qualitativamente muito relevante do PSC, – com nomes como Rubert de Ventós, Bohigas ou Ramoneda– começa a assumir o carácter irreformável de Espanha e olhar a independência como umha opçom desejável. A multitudinária manifestaçom «Som una nació. Nosaltres decidim» do 10 de julho, com presença na sua cabeceira dos seis presidentes da Generalitat e o Parlament, de ERC, CiU e o PSC (José Montilla, Ernest Benach, Pasqual Maragall, Jordi Pujol, Joan Rigol e Heribert Barrera) é também representativa da nova centralidade política alcançada polo discurso soberanista, posto de relevo num dos documentos oficiais da marcha: «De se confirmar que o processo estatutário é umha via morta, será preciso construirmos com unidade e rigor um projecto nacional soberano com o qual se poida identificar umha ampla maioria da socedade catalá».

A sentença e nós

A consideraçom de Galiza como «nacionalidade histórica» obedece ao facto de ter obtido em 1981 o seu Estatuto de Autonomia pola via rápida do artigo 151 da Constituiçom, ao reunir os dous requisitos exigidos na sua DT 2ª: um projecto de Estatuto plebiscitado no passado (em 29 de junho de 1936) e um regime provisório de pré-autonomia no momento de se promulgar a Constituiçom; requisitos ambos que revelavam a vontade do constituinte espanhol de reservar o termo «nacionalidade» (que a maioria dos relatores da Constituiçom interpretavam nos debates como sinónimo de «naçom») a territórios com umha identidade cultural e lingüística diferenciada e fortes movimentos nacionalistas. Nomeadamente, Catalunha, o País Basco e Galiza.

Nom pode ignorar-se, porém, que o conceito legal de nacionalidade foi objecto de umha profunda revisom na segunda vaga estatutária (1996-2007) impulsionada por PSOE e PP, toda vez que comunidades que nom tivérom projectos de Estatuto de Autononomia durante a Segunda República Espanhola –e, nalgum caso, com escassa tradiçom nacionalista– decidírom também autodesignar-se como nacionalidades ou nacionalidades históricas. A dia de hoje, as nacionalidades reconhecidas legalmente como tais som: Catalunha (1979 e 2006), País Basco (1979), Galiza (1981), Andaluzia (1981 e 2006), Aragom (1996), Canárias (1996), País Valenciano (2006) e Ilhas Baleares (2007). Isto é, comunidades autónomas que foram definidas primeiramente como regions, som agora legalmente nacionalidades, num processo que resta singularidade e potencialidade política ao termo.

Assim que seja retomado o processo de reforma estatutária em Galiza – provavelmente, no próximo outono– seria um erro enorme que o BNG legitimasse com os seus votos um Estatuto galego equiparável ao que saiu

do Tribunal Constitucional para Catalunha. Suporia umha renúncia estéril fazer coincidir as nossas aspiraçons máximas com as cessons mínimas que o espanholismo está disposto a realizar. Galiza perderia, talvez definitivamente, o status político que compartilha com o País Basco e Catalunha, ao ficar privada de umha voz soberanista necessária num momento em que se constata o esgotamento do estado autonómico e dexergam-se horizontes de ruptura em amplos sectores.

Nom é esta, pois, a ocasiom de pactar, senom a de explicarmos honestamente à cidadania galega que, como em Catalunha, a acumulaçom de forças pola soberania é a única via que permitirá a nossa libertaçom nacional e social. Por dizê-lo com palavras de Castelao, que nom por acaso foi presidente honorário da Federaçom de Sociedades Negras de New York: «O sistema de Estatutos autonómicos é inadecuado e até ofensivo para os cataláns, galegos e vascos. Galiza, como Cataluña i Euzkadi, é unha nación, e, por conseguinte, ten dereito a federarse con outros povos igoaes a ela; e non recoñecerlle o dereito de autodetermiñación- inclusive para vivir con absoluta independencia– será sempre un acto tiránico e antiliberal».

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