No 18 de Janeiro de 2018, o Secretário de Defesa dos EUA, Jim Mattis, anunciava uma mudança estratégica na política internacional. Os EUA continuariam a combater o terrorismo, mas o foco estaria agora na “competição dos grandes poderes”. A ninguém surpreende que a Rússia e China fossem as mencionadas. Os conflitos ucraniano e sírio, a concentração de tropas no Báltico e Polónia e a decisão de Obama de transladar o centro de ação à Ásia oriental e o Pacífico coincidem com isto. Porém, há um outro grande poder em questão: a União Europeia.
Para compreendermos o momento actual temo-nos que remitir às grandes conflagrações mundiais do século passado. O antagonismo das potências imperialistas do momento levou à necessidade de se enfrentarem no campo de batalha polo reparto colonial e a hegemonia. A Europa resultante, exausta, deu passo a uns EUA em condições materiais de se fazer com a ela. Abriu-se então um novo ciclo cumulativo e expansivo: os países da Europa Ocidental necessitavam ajuda para a reconstrução e para evitarem qualquer possível insurreição operária por imitação da URSS. Estabeleceu-se assim um consenso sobre a possibilidade de cooperação entre potências imperialistas, com os EUA à frente. Porém, a conformação da União Europeia supõe no longo prazo a criação dum bloco competitivo que acabará por rivalizar com os EUA. Como dizia Marx, os capitalistas podem-se levar bem e cooperar enquanto as cousas vão bem. Mas nem sempre as cousas vão bem.
Com a crise de 1973, a produtividade no centro imperialista cai e as suas burguesias devem optar pela expansão exterior e a financeirização para compensar as perdas. Os antagonismos aumentam. A queda do campo socialista abre todo um novo mundo para a expansão de capitais europeus, que de novo deverão concorrer entre si. Como contrapesso, acelera-se a integração económica, primeiro com o tratado de Maastricht, posteriormente com a criação do BCE e a moeda única. Em 2008, com a crise financeira, a rivalidade entre blocos e a divisão do mundo em esferas de influência intensificará-se de maneira exponencial. Uma série de acontecimentos revelam-nos uma mudança no velho paradigma dos consensos: o Brexit, por exemplo, traduzia o cisma entre a facção do imperialismo britânico mais proclive à UE e aquela que se decanta pelos EUA. A vitória de Donald Trump é outro exemplo. Embora a grande imprensa afirme que Trump é imprevisível e até que está louco, a sua política tem uma linha coerente se visto que leva desde os anos 80 a dizer que os aliados dos EUA não pagam o preço justo pelo benefício que obtêm das relações com esse país.
São numerosos os pontos conflitivos entre os EUA e a UE actualmente: o caso Skripal, uma fabricação britânica com a finalidade de agitar a belicosidade contra a Rússia; o projeto do oleoduto Nord Stream 2, que visa duplicar o transporte de gás desde a Rússia à Alemanha; a ruptura do acordo nuclear iraniano, etc. No primeiro caso, o objectivo dum Reino Unido sumido no caos da gestão do Brexit é a de buscar pontos de união entre os EUA e a Europa contra a Rússia. Pretende limar as diferenças entre ambos blocos polo menos no curto prazo, para manter um precário nível de benefício próprio. Soubemos por filtrações do demissionário Boris Johnson que Theresa May ía formular no G7 de Junho a proposta de uma força de ação rápida contra a Rússia. Este caso deu pé a uma escalada de tensão, de sanções anti-russas e de expulsão de diplomatas russos nos EUA, na UE e no Canadá. A UE viu-se na obriga de aceitar estas sanções, mas não foram prato de gosto para a Alemanha, cuja burguesia depende do gás russo para fornecer a sua infraestrutura. O Nord Stream 2 é também objetivo dos Estados Unidos, que age através sanções e de aliados como a autocrática Polónia, que tenta vetar o projeto alegando que sumiria a UE na dependência energética da russa Gazprom. A Ucrânia vê neste projecto também uma ameaça à sua própria existência. Porém, a Alemanha confirmou que continuaria adiante com o projecto logo após ceder na expulsão dos diplomatas russos. A ruptura do acordo com o Irão, pola sua parte, implicou enormes perdas nos investimentos europeus nesse país — 21mil milhões em 2017, que triplicavam os de 2013. O Presidente do Conselho de Europa, Donald Tusk, chega a dizer “com amigos assim, quem precisa inimigos?” A única maneira que tinha a UE de sortear as sanções foi desprender-se do dólar nas transações com o Irão, o que é enormemente significativo.
Contudo, a confrontação mais aberta até agora entre os imperialismos americano e europeu é, se calhar, a imposição de tarifas alfandegárias ao aço e o alumínio europeu. As reacções não se fizeram esperar. A UE proclamava o que era um “mau dia para o livre mercado”, denunciava a medida ante a OMC e respondia com sanções. O Presidente da França, Emmanuel Macron, afirma então: “Isto já aconteceu na Europa nos anos 30. O nacionalismo económico leva à guerra”. A França, a Grã Bretanha, a Alemanha, a Bélgica, a Dinamarca, os Países Baixos, a Espanha e Portugal decidem então assinar a conformação de uma força de resposta rápida à margem da NATO, chamada Iniciativa de Intervenção Europeia. Um movimento de grande repercussão dado o momento em que se produz, que põe em questão os mesmos fundamentos da aliança atlântica. Neste contexto chega-se à cimeira do G7 de Junho de 2018: um teatro em que se encenam as intensificadas contradições entre velhos aliados. A proposta de Trump de que a Rússia — até pouco antes, objetivo bélico — volte ao grupo demonstra que o imperialismo americano não tem intenção de negociar nada. A sua intenção é destruir as suas velhas alianças para obter o preço “justo”. Dia a dia as tensões aumentam num capitalismo que se dirige novamente à destruição, pois, como disse Gramsci, o velho não acaba de morrer e o novo não acaba de nascer, e no claro-escuro nascem os monstros.
É evidente que nós não temos nada a ganhar com isto. Só a alternativa socialista, a revolução em que a classe operária tome o poder e que questione o verdadeiro núcleo destes problemas, constituído pola propriedade privada e a anarquia da produção, pode evitar o grande desastre.